Em um cantinho ao lado do palco, Rafaella Sessenta, 32, alonga braços e pernas. Posiciona-se frente a uma câmera e aguarda a largada: o início de um show em tributo a Michael Jackson, realizado no domingo (31/5) em São Paulo. Rafaella é tradutora de libras (Língua Brasileira de Sinais) e trabalha em eventos culturais há oito anos. Ela diz que é preciso traduzir ao público surdo as letras e também o ritmo das músicas. Para entrar na cadência do astro do pop, dança junto (até mimetiza as mãos arqueadas de “Thriller”) e imita o tocar de instrumentos que se sobressaem: faz gestos de um bateristas, dedilha uma guitarra. Enquanto isso, a audiodescritora Livia Motta, 62, fica em uma cabine, ao fundo da plateia. Sua função é narrar aos espectadores cegos, munidos de fones de ouvido, o que acontece sobre o palco. No roteiro, conta ela, também faz um histórico sobre as músicas, o artista e a coreografia do espetáculo.

Para a analista de sistemas Talita Spulveda, 29, que perdeu a visão há cinco anos, as opções culturais para deficientes vêm crescendo. Em 2015, diz, compareceu a mais programas com audiodescrição do que nos últimos dois anos. Já a assistente administrativa Mellina Reis, 31, que é cega, acha que há mais programação para deficientes, “mas são em dias pontuais”. “Poderia ter mais vezes”, diz.

Para a museóloga e consultora de acessibilidade Amanda Tojal, há um crescimento desses espetáculos nos últimos cinco anos. Não só uma forma de atrair o público deficiente, mas também em decorrência de editais públicos de cultura, que muitas vezes exigem de projetos uma contrapartida de acessibilidade.

A casa de espetáculos HSBC Brasil adotou sessões com libras e audiodescrição a partir de 2011. Hoje, de acordo com o espaço, recebe programas assim ao menos uma vez por mês, com uma média de 80 surdos e cegos por dia. A Virada Cultural, que teve três espetáculos acessíveis em 2013 e 13 no ano seguinte, deve aumentar o número nesta edição (20 e 21/6), diz a Secretaria da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida. No MAM, que também dá cursos para educadores atenderem os públicos cego e surdo, formou-se um grupo de estudos que promove saraus bilíngues: falado e em libras.

Por vezes, a tradução em libras serve como uma escada para o espetáculo, diz Rafaella, a tradutora de libras. É comum que comediantes de stand-up interajam com o tradutor. Em fevereiro, no Itaú Cultural, a Banda Estralo chegou a convidar o tradutor de libras para entrar no palco.

A dança também tenta se adaptar. Em maio, a companhia Cisne Negro fez apresentações com audiodescrição. Desde 2013, a São Paulo Cia. de Dança faz sessões para cegos. Há um ano, adotou o aplicativo WhatsCine: em celulares e tablets, o público acompanha a obra com audiodescrição, legendas ou libras. O roteiro, conta Inês Borgéa, diretora artística do grupo, descreve cenários, figurinos, sensações e movimentos. Em algumas sessões, cegos podem chegar mais cedo, tocar no cenário e nos figurinos e sentir, em um boneco articulado, como são os movimentos. “São novos caminhos para a dança”, diz Borgéa.

Fonte: Folha de São Paulo

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